Preocupado em não recontar histórias de Sonhos e Pesadelos, meu primeiro livro, mas sem como evitar algumas, mesmo que en ant, em “Como se vira jornalista”, acabei esbarrando numa das mais fortes — daquelas de tirar pica-pau do oco, como diz meu amigo Raufi Marques. Foi um post escrito sob forte inspiração da saracura, ainda lá na beira do Laranja Doce, quando digitei, num misto de fúria e desatenção, uma das colunas mais indignadas contra os inquilinos do chamado Parque dos Poderes, em Campo Grande — aquele santuário de concreto e gravata concebido por Pedro Pedrossian para abrigar o alto escalão da política sul-mato-grossense.
Na ocasião, cometi um erro que considero, até hoje, mais revelador do que qualquer editorial planejado. Ao escrever o nome do lugar, os dedos — quem sabe inspirados pela saracura ou pela força das entranhas — trocaram uma letra e fizeram surgir, em caixa alta e negrito, o Parque dos Podres. Sim, assim mesmo: Podres. Percebi depois, quando a coluna já estava no ar, que havia substituído o “Poderes” por um termo talvez mais ajustado à alma do lugar. Apressei-me a corrigir, publicando uma nota de esclarecimento que, honestamente, serviu mais como escudo do que como retratação. Porque, verdade seja dita, aquela digitação torta dizia muito mais do que mil palavras bem grafadas.
Em minha última estada por lá, aflorado meu lado voyeur, resolvi esticar o expediente para conferir in loco — com estes olhos que a terra há de comer — se era apenas uma lenda de barnabés criativos mas sem grana para esse tipo de deleite a história do “surubão” do Parque. Sim, em vários pontos (estacionamentos como o do Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo), a suruba corre frouxa quando os engravatados deixam seus gabinetes.
Afinal, como todo bom reacionário enrustido, muitos daqueles que am o dia vociferando moralismos nas tribunas, à noite se entregam aos prazeres da carne — e da lataria. Sim, senhor. Ao cair da noite, o estacionamento se transforma em camarim erótico sob a luz da lua: SUV’s, importados, caminhonetes RAM com película escura, tampa da carroceria aberta, e de lá saindo pernas entrelaçadas, movimentos coreografados pela libido e uma trilha sonora que vai do barulho dos grilos a gemidos abafados.
Aliás, basta que as gravatas sejam afrouxadas, os motoristas dispensados e os carros oficiais momentaneamente “desoficializados”, para que muitos dos ilustres ocupantes de gabinetes luxuosos assumam o volante com destreza e pressa. Aceleram por entre as curvas sinuosas que cortam o Parque dos Poderes como quem conhece cada sombra, cada árvore e cada canto onde o desejo pode estacionar. Não titubeiam diante da penumbra: um leve movimento no escuro dos estacionamentos já basta para provocar uma freada súbita — não por medo de atropelo, mas por excitação ante a possibilidade de um encontro. E curiosamente, nesses turnos noturnos, os seguranças do parque, normalmente tão rigorosos com quem ousa pisar ali sem crachá mostram-se subitamente compreensivos. À luz do luar, o critério muda: entra quem goza… de influência.
Ali, onde os discursos costumam ser castos e os decretos cheiram a naftalina, a vida segue… caliente. O poder, afrodisíaco por natureza, quando não dá tesão de mandar, dá tesão mesmo. Literalmente.
E assim segue o santuário erguido por Pedrossian: de dia, templo da burocracia — à noite, palco do deboche. O Parque dos Poderes é, como diria Nelson Rodrigues, a última trincheira da hipocrisia sul-mato-grossense. Com direito a carro oficial, sessão extra e orgasmo sob as estrelas.