A sentença que condena Leo Lins a oito anos de prisão é, evidentemente, absurda. Se as piadas são criminosas, muito mais gente tem de ser presa. Todos os que riram, por exemplo. Rir da piada criminosa constitui, como é óbvio, cumplicidade no crime. Como se sabe, as piadas têm por objetivo fazer rir. Para concretizarem o seu objetivo criminoso, precisam de um comparsa, que é o espectador.
Pior ainda, essas pessoas pagaram para que Leo Lins cometesse o crime. São os mandantes. Se ninguém tivesse comprado o ingresso, no dia do espetáculo o Leo estaria em casa, sem cometer qualquer crime. Quem alugou o recinto que albergou o espetáculo e quem o filmou também devem apodrecer na cadeia, e é perturbador que a juíza não tenha tido o discernimento necessário para chegar a essa conclusão.
Por mim, a juíza também seria presa. Não só pela incompetência com que identificou apenas um dos criminosos, mas também por, na sentença, ter reproduzido algumas das piadas. Uma coisa é descrever um crime. É normal que isso seja feito nas sentenças. Outra coisa é praticar o crime. Ora, citar a piada é cometer o crime de novo. Ao ler a sentença, fui agredido pelas piadas criminosas, que a juíza colocou entre aspas, como se isso fosse proteção suficiente. Ela sabia que a sentença seria pública, e não teve o cuidado de evitar a prática dos crimes. Aliás, há piadas criminosas de que eu só tive conhecimento pela sentença. A arma pode ter sido concebida por Leo Lins, mas foi a juíza que a disparou.
Na Alemanha nazista havia uns tribunais específicos para piadas. Uma anedota muito popular dessa altura fazia referência precisamente a esses tribunais: “Um juiz está num café com um amigo e de repente começa a rir. ‘Hoje ouvi uma piada muito engraçada’, diz ele. ‘Conta!’, pede o amigo. ‘Não posso. Acabei de condenar o homem que a contou a dez anos de prisão.”
Por aqui se vê a diferença entre os tribunais nazistas e os brasileiros. Reparem: não só os autores de piadas eram condenados a dez anos de prisão, em vez dos insuficientes oito, como os juízes mantinham presente que não é correto repetir piadas que o tribunal acabou de punir. Somos forçados a concluir pela superioridade do regime judicial nazista. Eles bem diziam que eram uma raça superior. Mas creio que, com um pouco mais de esforço, atingiremos o nível deles. Não nos falta muito.
Ricardo Araújo Pereira – Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”