No último dia 24 de maio, completaram-se dez anos do acidente aéreo que sofremos próximo a Campo Grande (MS). O que poderia ter sido uma tragédia sem volta foi um ponto de virada. Desde então, vivemos uma jornada silenciosa de gratidão, espiritualidade e ressignificação da missão de vida. A busca por equilíbrio entre corpo e mente se tornou parte da nossa rotina, liderada com ternura e intuição por Angélica, que assumiu um papel de guia e inspiração. Foi minha esposa quem abriu espaço para a meditação se tornar um pilar em nossa convivência familiar. E, nesse caminho, nos aproximamos do pensamento de alguém que há décadas ilumina essa trilha com consistência e profundidade: Deepak Chopra.
Chopra começou sua carreira na Índia como endocrinologista, mas, em 1980, teve seu rumo alterado ao encontrar Maharishi Mahesh Yogi, o criador da Meditação Transcendental. Os dois se tornaram próximos, e, entre 1980 e 1993, Chopra acompanhou o mestre espiritual em diversas viagens, entrando em contato com grandes transformações geopolíticas e culturais. Em 1983, publicou seu primeiro livro, integrando espiritualidade, medicina alternativa e ciência ocidental. A partir daí, vieram parcerias com personalidades como Oprah Winfrey e os Beatles, e a consolidação como uma das vozes mais influentes sobre saúde, bem-estar e consciência. Nomeado pela revista Time um dos ícones do século XX, Chopra hoje é professor e palestrante em instituições como Columbia Business School, Northwestern University e Universidade da Califórnia em San Diego.
Seu pensamento parte de uma premissa ousada: a consciência vem antes da matéria. Para Chopra, o mundo físico é uma expressão da consciência —e não o contrário. O cérebro humano não a cria, apenas a manifesta. Para sustentar essa tese, Chopra dialoga com conceitos da física quântica, tratando a consciência como um campo em que todas as possibilidades existem até serem definidas pela observação ou escolha. A partir daí, propõe uma visão integrada do ser humano, em que corpo, mente e espírito são expressões de uma mesma origem. Nessa lógica, pensamentos e emoções não são abstratos: influenciam diretamente a saúde física e o bem-estar. Ele fala sobre a possibilidade de um estado de “saúde perfeita” —não como utopia, mas como a condição natural do ser humano quando há equilíbrio entre os aspectos físico, emocional, mental e espiritual.
Aos 78 anos, Chopra mantém uma rotina disciplinada e introspectiva. Medita três horas por dia, evita compromissos sociais e diz buscar apenas paz e presença. Observa com certa distância o personagem público que o mundo projetou sobre ele e se esforça para manter-se fiel ao essencial. Seu pensamento continua reverberando em diferentes partes do mundo —e também dentro da minha casa. Dez anos depois daquele episódio inesperado, seguimos tentando viver com mais presença, consciência e propósito. Um dia de cada vez.
Na última sexta-feira, tive a oportunidade de me reunir com Chopra no Uruguai. Na conversa, ele sustentou que a inteligência artificial não deve ser vista como uma ameaça isolada, mas como uma consequência natural da expansão da consciência humana —um novo salto evolutivo. Assim como a descoberta do fogo transformou biologicamente o cérebro humano ao possibilitar a digestão de alimentos cozidos, a IA tem o potencial de reconfigurar nossas redes neurais e modificar profundamente nosso modo de existir. Mas, para Chopra, esse salto técnico ocorre num momento em que a sociedade parece cada vez mais desconectada de sua interioridade. Ao valorizar excessivamente o exterior —o que se mostra nas redes, o que se performa—, perdemos contato com aquilo que é essencial: a fonte de toda experiência. A IA, portanto, pode ser uma ferramenta de cura e transformação ou de destruição e alienação, dependendo de como escolhemos utilizá-la. A chave, diz Chopra, está em reconectar o uso da tecnologia a uma consciência mais plena, ética e espiritual. Abaixo, compartilho trechos desse bate-papo.
Desculpe começar a conversa por um tema pessoal, mas as coisas não acontecem por acaso. Há 10 anos, eu, minha esposa e nossos filhos sofremos um acidente aéreo. Graças a Deus, todos sobrevivemos. Tivemos uma segunda chance e cada um reagiu de maneira diferente ao trauma. Minha esposa entendeu que precisava respirar. E foi assim que a meditação, a busca pelo equilíbrio e o mindfulness entraram em nossa família. Desde então, queremos democratizar essas terapias Queria saber como simplificar essa mensagem e a importância dela.
Em primeiro lugar, não tento convencer ninguém de nada. As pessoas decidem por si mesmas quando estão prontas, como você fez. Mas o entendimento mais simples é que toda experiência que temos é uma forma de sensação. Não experimentamos a realidade, e sim sensações, e então conceituamos com base nessas sensações e criamos a ideia de um corpo físico, nossa mente e nosso universo. Mas, na verdade, tudo o que experimentamos são sensações, sensações de respiração, som, paladar, olfato, visão, apenas sensações. Se você quiser resumir isso, a sigla é SIFT (Sensação, Imagem, Sentimento e Pensamento em inglês). A respiração é a sensação mais primitiva. Ela está emaranhada com todas as outras sensações. Digamos que eu esteja respirando muito rapidamente. Isso significa que estou ansioso. E, como está tudo emaranhado, se mudo a respiração, eu mudo a ansiedade. Quando você se acomoda na respiração e quando ela automaticamente se torna lenta e profunda, seus pensamentos, emoções, imaginação e todas as outras sensações se acalmam. É como falamos no ioga: nada disso é realidade. A realidade não é a sensação, mas a fonte da sensação. Está no espaço entre as diferentes percepções. Portanto, o espaço entre o pensamento, entre as emoções, entre o sentimento, o espaço entre a respiração, entre a imaginação, o espaço entre você e eu, o espaço entre este e o espaço intergaláctico é tudo um só espaço. É a fonte do que chamamos de espaço-tempo, energia, informação e matéria. Mas está além da imaginação porque não tem forma. Não tem forma, então não tem borda. Se não tem fronteira, é infinito, e, se é infinito, é sem espaço, atemporal, inimaginável, incompreensível, irredutível e fundamental. Uma vez que você está calmo, então você se pergunta: o que é a realidade? Qual é a fonte do universo? E a fonte do universo nunca será encontrada em nada que seja perceptivo ou conceitual. É a matriz da qual o universo emerge.
Mas o mundo está indo na direção oposta.
Correto.
O mundo hoje valoriza mais o exterior —aquilo que a pessoa mostra (todos são felizes no Instagram) — e menos o que de fato é, seu interior. Queria te ouvir sobre isso.
Sempre foi assim. Mas agora, por causa da tecnologia, chamamos de realidade virtual. Mas o que as pessoas não percebem é que seu corpo, sua mente, seu cérebro e o universo são todos realidade virtual. Não é real, o que chamamos de universo físico. Não existe tal coisa. É uma realidade virtual de sensações, imagens, sentimentos e pensamentos que são flutuações do vazio. Então, o que é chamado de forma? Você diz que seu corpo tem uma forma, certo? Mas, se você diz que eu sou meu corpo, então você tem que me dizer qual: óvulo fertilizado, embrião, bebê, criança, adulto jovem, adulto velho, até a morte. Portanto seu corpo não é um substantivo —é um verbo. A forma é impermanente, o sem forma é eterno. Então, se você entende que você é sem forma, então esta forma atual está sujeita a revisão —é uma realidade virtual. O teólogo cristão Teilhard de Chardin disse que somos seres espirituais tendo uma experiência humana. Você só sabe o que experimenta. Quando olha para o cenário fora dessa janela, isso é uma experiência humana. A árvore que você enxerga não é a mesma para um golfinho ou para um morcego ou para um pássaro que navega no ultravioleta. Tudo é uma projeção daquilo que é infinito e sem forma.
Estamos vivendo uma revolução de Inteligência Artificial que vai mudar tudo para todos. Apesar de muitos elencarem perigos e riscos, você tem um olhar positivo sobre o tema. No seu novo livro ‘Digital Dharma’, você elenca como essa tecnologia pode mudar a vida das pessoas para melhor. Pode falar sobre isso?
A IA é o repositório de tudo o que os humanos descobriram nos últimos séculos. Tem superconhecimento, e não superinteligência. Mais do que qualquer ser humano pode ter. Mais do que todos os seres humanos combinados. A IA é o ado, é o presente e é o futuro, pois pode prevê-lo estatisticamente, com base em padrões do ado. Mas a IA não é consciente. Não sente fome, não sente sexualidade, não teme a morte, não tem sede. Não há subjetividade na IA. Por isso digo que a tecnologia tem dois lados. É divina e diabólica. Se você tem uma faca, pode me matar com ela, pode cortar uma maçã e comer, ou, nas mãos de um cirurgião, pode ser um instrumento de cura. Temos um polegar opositor e andamos eretos, e isso nos liberta para criar ferramentas. Antes de qualquer outra coisa que criamos, descobrimos uma tecnologia. Chama-se fogo. Começamos a cozinhar alimentos. E, se não fizéssemos isso, o ser humano não teria o cérebro que tem hoje. Porque com o cozimento, você pode absorver micronutrientes. Nossa anatomia mudou, nosso cérebro mudou. Hoje, o que estamos vendo com a IA é mais um salto, um salto quântico, não apenas na evolução cultural e na evolução social, mas também biológica. As redes neurais humanas estão mudando, porque a IA está dando o a tudo isso. E, quando o cérebro muda, o corpo muda.
Você acha que o cérebro pode mudar?
A cada experiência, o cérebro muda.
Como as crianças que usam muito as telas?
Neste ponto, altera a dopamina, a serotonina.
A nossa evolução dos macacos não foi intencional —foi um desvio evolutivo. Mas nós estamos criando a IA intencionalmente. Com que propósito?
Nossa existência é um salto quântico na consciência. Esqueça a evolução darwiniana, que é muito mecanicista. Se o universo é consciência pura, e esta é a realidade virtual da consciência pura, então a transição do primata para o humano é um salto na evolução. Porque a diferença entre você, eu e o macaco é menor que 1% no DNA. Então, o que é que esse 1% mudou em você e em mim? Foi um salto. Por isso, agora, basicamente temos duas opções com a Inteligência Artificial. Uma é que podemos causar a extinção humana. Usar IA para causar guerra nuclear, envenenar a cadeia alimentar. Mas podemos usá-la para criar um mundo mais pacífico, justo, sustentável, saudável e alegre. Assim como com a faca, você pode matar uma pessoa ou curá-la. Com a IA, podemos curar o mundo ou podemos fazer com que o mundo desapareça. A escolha é nossa. Agora, a coisa mais profunda que você está dizendo é que criamos a IA. Nós não fizemos isso. Inteligência Artificial nem é a palavra certa. É inteligência humana aumentada, pois, como você sabe, é uma criação feita através de nós. Mas a coisa é mais profunda, deixe-me explicar: a diferença entre o computador, você, aquela árvore, aquela montanha, aquele oceano é apenas uma combinação diferente de zeros e uns. Então o que chamamos de universo é criado em uma oficina digital fora do espaço e do tempo, e, nessa oficina, zeros e uns em diferentes combinações estão produzindo esse universo.
A IA é o repositório de tudo o que os humanos descobriram nos últimos séculos. Tem superconhecimento, e não superinteligência. Mais do que qualquer ser humano pode ter. Mais do que todos os seres humanos combinados. A IA é o ado, é o presente e é o futuro, pois pode prevê-lo estatisticamente, com base em padrões do ado. Mas a IA não é consciente. Não sente fome, não sente sexualidade, não teme a morte, não tem sede. Não há subjetividade na IA. Por isso digo que a tecnologia tem dois lados. É divina e diabólica. Se você tem uma faca, pode me matar com ela, pode cortar uma maçã e comer, ou, nas mãos de um cirurgião, pode ser um instrumento de cura. Temos um polegar opositor e andamos eretos, e isso nos liberta para criar ferramentas. Antes de qualquer outra coisa que criamos, descobrimos uma tecnologia. Chama-se fogo. Começamos a cozinhar alimentos. E, se não fizéssemos isso, o ser humano não teria o cérebro que tem hoje. Porque com o cozimento, você pode absorver micronutrientes. Nossa anatomia mudou, nosso cérebro mudou. Hoje, o que estamos vendo com a IA é mais um salto, um salto quântico, não apenas na evolução cultural e na evolução social, mas também biológica. As redes neurais humanas estão mudando, porque a IA está dando o a tudo isso. E, quando o cérebro muda, o corpo muda.
Você acha que o cérebro pode mudar?
A cada experiência, o cérebro muda.
Como as crianças que usam muito as telas?
Neste ponto, altera a dopamina, a serotonina.
A nossa evolução dos macacos não foi intencional —foi um desvio evolutivo. Mas nós estamos criando a IA intencionalmente. Com que propósito?
Nossa existência é um salto quântico na consciência. Esqueça a evolução darwiniana, que é muito mecanicista. Se o universo é consciência pura, e esta é a realidade virtual da consciência pura, então a transição do primata para o humano é um salto na evolução. Porque a diferença entre você, eu e o macaco é menor que 1% no DNA. Então, o que é que esse 1% mudou em você e em mim? Foi um salto. Por isso, agora, basicamente temos duas opções com a Inteligência Artificial. Uma é que podemos causar a extinção humana. Usar IA para causar guerra nuclear, envenenar a cadeia alimentar. Mas podemos usá-la para criar um mundo mais pacífico, justo, sustentável, saudável e alegre. Assim como com a faca, você pode matar uma pessoa ou curá-la. Com a IA, podemos curar o mundo ou podemos fazer com que o mundo desapareça. A escolha é nossa. Agora, a coisa mais profunda que você está dizendo é que criamos a IA. Nós não fizemos isso. Inteligência Artificial nem é a palavra certa. É inteligência humana aumentada, pois, como você sabe, é uma criação feita através de nós. Mas a coisa é mais profunda, deixe-me explicar: a diferença entre o computador, você, aquela árvore, aquela montanha, aquele oceano é apenas uma combinação diferente de zeros e uns. Então o que chamamos de universo é criado em uma oficina digital fora do espaço e do tempo, e, nessa oficina, zeros e uns em diferentes combinações estão produzindo esse universo.
Temos no Brasil um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, que atende mais de 190 milhões de pessoas. Imaginemos que você fosse gestor desse sistema. Como transformaria o seu conhecimento em políticas públicas?
O que sabemos sobre saúde e bem-estar é que menos de 5% de todas as doenças são devidas ao que é chamado de mutações genéticas totalmente penetrantes. Totalmente penetrante significa que, uma vez que você tenha a mutação genética, isso garante a doença. Como, por exemplo, se alguém tem um gene BRCA para câncer de mama, terá câncer de mama. Mas nos próximos anos você terá algo chamado edição de genes. Você poderá recortar e colar genes da mesma forma que recorta e cola seus e-mails. Então você exclui o gene defeituoso, insere o gene saudável —e a doença é curada. Isso vai acontecer.
Vamos viver 120 anos?
Mas isso é menos de 5% das doenças. 95% é epigenético, o que significa: estilo de vida, sono, controle do estresse, exercícios, mente, coordenação corporal, emoções, relacionamentos, nutrição, suplementos nutricionais, em alguns casos, ritmos biológicos e nossa experiência de amor, compaixão, alegria e equanimidade. Isso representa 95% de todas as doenças. O que significa que podemos modelar o corpo para autorregulação e cura. Resumindo: com a tecnologia de edição de genes de RNA mensageiro e uma revolução da consciência, poderemos tornar a doença opcional. Você não vai mais morrer de uma doença. Você morrerá porque seu relógio genético se esgota.
E economicamente?
Então, economicamente, é possível.
Usar isso como uma maneira exponencial de tratar milhões de pessoas?
Sim, a maneira de começar é pela educação em saúde e bem-estar nas escolas.
Você tem alguma mensagem para deixar para os brasileiros?
Sou fascinado pelo Brasil, simplesmente porque, na verdade, sou fascinado por todos os países que estão ao redor da Amazônia. Eles têm um sentimento pela ideia de que nosso corpo é um ecossistema —um ecossistema que faz parte de um ecossistema maior. É assim para muitos dos povos indígenas, mas os brasileiros em geral são mais sintonizados com a compreensão da ecologia mais profunda da existência —de que não existimos por nós mesmos, existimos no ecossistema da vida. Sinto que os brasileiros —e, em geral, as pessoas ao redor da Amazônia e também da América Central— têm uma compreensão mais profunda da existência, não uma compreensão mecanicista. Por isso me sinto muito encorajado para aprender com as tradições xamânicas. O futuro é nos reconectarmos com nossa fonte na natureza e entendermos que nada existe por si só. Nem uma célula, nem um órgão, nem um corpo, nem uma árvore, nem uma rocha, nem uma estrela. Tudo está interligado. Precisamos nos envolver com aquilo que nunca muda —que é a fonte de toda experiência, que é sempre eterna e atemporal— e então podemos participar desse jogo com alegria.
Luciano Huck/Apresentador da Rede Globo