Como ainda não peguei o macete da leitura labial e meu celular, por razões óbvias, vive no modo silencioso, confesso que levei um susto hoje durante o principal ritual do meu despertar matinal nesta agem terrena. Até pelo cenário escolhido, em frente da governadoria, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: caiu o governo Riedel!
Pelo histórico de vínculos entre o atual governador e seu criador político, Reinaldo Azambuja, imaginei que talvez tivesse se cumprido a profecia de George “Nostradamus” Takimoto. Afinal, o que de tão grave teria feito o decano dos decanos da política do Centro-Oeste, o imível Londres Machado, surgir… numa live?
Quando o áudio voltou, lá estava ele — o político mais longevo e, por que não, mais poderoso de Mato Grosso do Sul — agradecendo, em rede aberta, pelas promessas cumpridas por Eduardo Riedel com sua esposa, a ex-prefeita de Fátima do Sul, Ilda Salgado. Sim, aquela que ficou famosa por remunerar cabos eleitorais com dinheiro carregado no sutiã. Segundo Londres, graças aos projetos liberados, o atual prefeito poderá asfaltar até o último palmo de chão batido de Fátima do Sul — da entrada da Ilha à ao o do cemitério da eternamente esquecida Culturama, a terra da Rose Modesto.
Mas não foi esse asfalto que motivou a inesperada entrada digital do “Chinês”, como é conhecido. A mensagem subliminar ali deixada tinha outro destinatário: a companheirada. Era, na verdade, um recado a aliados, adversários e a quem mais sonha com algum protagonismo no próximo ciclo eleitoral. Um lembrete de que, em política, quem caminha sem o aval do velho cacique corre o risco de tropeçar no próprio ego.
“Companheirismo”, quando se fala de Londres Machado, é a palavra-chave. Não por acaso ele está em seu 13º mandato consecutivo como deputado estadual — um recorde nacional. Sua trajetória começou no velho Mato Grosso, ainda nos anos 1970, e seguiu intacta com a criação do MS. Ocupou cargos, assumiu o governo interinamente, presidiu a Assembleia Legislativa sete vezes, comandou a Constituinte estadual e viu governadores entrarem e saírem enquanto ele mantinha sua poltrona firme no Parlamento — e o gabinete, mais ainda.
O mais respeitado dos estrategistas, ao lado de João Leite Schmidt. Quando viu risco de naufrágio numa candidatura ao lado de Delcídio do Amaral, em 2014, garantiu sua presença no tabuleiro elegendo a filha, Graziella Machado, deputada. Tudo para manter o controle do território — seja na Mesa Diretora, nos corredores do Guaicurus ou nas conversas paralelas no Parque dos Poderes.
E como se precisasse assumir o governo para, de fato, governar, Londres mandou e desmandou como poucos — com mão de ferro, voz baixa e um aceno que vale mais que discurso. Seu poder nunca foi o da pirotecnia: foi o do sussurro que move peças. Do gesto que demite. Da ausência que pesa. Do olhar que decide. Não à toa é o líder do moderno governo da transversalidade na Assembleia Legislativa.
Nos bastidores da política pantaneira, nada é casual. Ao aparecer ao lado de socialites, repaginar o visual com sapatenis, blazer azul, sarja e camiseta polo em tons harmônicos com a bandeira do estado, Londres também rejuvenesceu sua imagem. E deixou o aviso, com todas as letras: se nada mudar, ele continua. E se mudar demais, ele volta — à presidência da Assembleia, em 2027.
Gerson Claro que se cuide.
Porque se até Brutus traiu César em nome da República, imagine o que Londres Machado pode fazer — não com uma punhalada, mas com uma live.
E nem precisa dizer mais nada: “Até tu, Londres?” ecoa mais forte que qualquer áudio.