A Proposta de Emenda à Constituição 12/2022, apelidada de PEC Cajuru, que deve ir ao plenário do Senado nesta quarta-feira, vem sendo vendida nos corredores do Congresso como a bala de prata da modernização política brasileira — mas, com o devido respeito ao senador-jornalista Jorge Kajuru, ela cheira mais a requentado de 1976 do que a prato novo no cardápio institucional. Brasília agora quer unificar todas as eleições — de vereador a presidente — a cada cinco anos, e acabar com a reeleição. Tudo isso com uma pitada de retórica sobre economia, eficiência e moralização do uso da máquina pública. Parece bonito no PowerPoint. Mas no Brasil real, esse filme já ou. E o final não foi tão épico assim.
Aqui em Dourados, por exemplo, essa tal coincidência de mandatos já foi testada. Com sorte e competência, o prefeito José Elias Moreira teve o mandato estendido de quatro para seis anos — e usou o tempo a favor da cidade. Não precisou de PEC, nem de marketing. Só de projeto. Já seu vice, José Cerveira, e o sucessor, Luiz Antônio Gonçalves, mostraram que a boa política independe de cronograma. Luiz Antônio, aliás, ficou seis anos sem que ninguém inventasse uma reforma constitucional. Bastou que governasse — algo que Brasília parece ter desaprendido.
Agora, o Senado quer dar uma de relojoeiro da República, redesenhando o tempo político brasileiro com uma régua institucional que mais confunde do que organiza. E, pasmem, tudo isso com ares de inovação. Quando, na prática, a PEC Cajuru afoga o debate público em marolas institucionais, concentra poder nas mãos de quem já tem visibilidade nacional e soterra as pautas locais sob a avalanche de narrativas federais.
E nem falemos da sobrecarga brutal à Justiça Eleitoral, que aria a organizar uma super eleição a cada cinco anos, transformando o voto num festival de slogans e santinhos — e o eleitor, num zumbi cívico obrigado a escolher cinco ou seis cargos numa tacada só.
Mas o maior desafio da PEC Cajuru não está no Senado, onde ela navega com apoio raso e discursos de ocasião. O calvário começa mesmo é na Câmara dos Deputados, onde a proposta deve empacar como fusca em ladeira de paralelepípedo. E por quê? Simples: porque ameaça o ganha-pão fisiológico de centenas de deputados que se vendem como municipalistas em véspera de eleição para prefeito. Se a coincidência for aprovada, essa turma perde o palco, o palanque e os “negócios” que brotam do processo eleitoral bienal — um ciclo que garante cargos, emendas e acordos que fazem girar a roda do toma-lá-dá-cá.
Além disso, a PEC ameaça o conforto dos senadores, esses barões de oito anos de mandato, que muitas vezes se elegem na aba do casaco presidencial ou na sombra de alianças oportunistas, e que agora veriam sua longevidade encurtada — e a reeleição proibida. Um golpe e tanto na vaidade de quem se acha inamovível do Congresso.
Portanto, não nos enganemos. A PEC Cajuru é, no fundo, uma reforma para inglês ver e cacique aplaudir. Pode até enxugar o calendário, mas jamais limpará as manchas da má política. O que ela oferece em economia de eleição, ela custa em apagamento do debate local, em esvaziamento da representatividade e em risco institucional.
E aqui, sob as sombras longas dos ipês e das sibipirunas douradenses, talvez alguma saracura de memória afiada esteja relembrando — num trinado quase filosófico — que a democracia se defende com participação, não com padronização. Que o problema não está no tempo entre eleições, mas na qualidade dos eleitos. E que nenhum cronograma imposto de cima pra baixo substituirá o compromisso real com o povo que vota embaixo.
Porque no Brasil, a cada tentativa de reforma política, o que se vê é mais uma peça do tabuleiro sendo arrumada para os mesmos jogadores. E o jogo, como sempre, segue viciado.