Além de vender bois, abanar lenços no rodeio e promover shows com artistas sertanejos que só tocam se tiver camarim climatizado, Dourados agora pode se tornar palco daquilo que talvez seja o debate mais surreal da legislatura vigente: os direitos (ou a ausência deles) das bonecas reborn. E o termômetro da insanidade política pode subir, de novo, no termostato do Jaguaribe.
Depois que o deputado estadual João Henrique Catan (PL) — expoente do bolsonarismo pantaneiro e defensor dos bons costumes com moldura dourada de poltrona colonial — protocolou na Assembleia Legislativa do MS um projeto de lei para proibir o atendimento preferencial a bonecas hiper-realistas em serviços públicos, não é de duvidar que este surto legislativo chegue por aqui. E se chegar, já se imagina quem vai puxar a fila do delírio.
A vereadora Isa Cavala Marcondes, fiel aliada de Catan e ex-gestora de uma casa noturna (onde, segundo ela, “nenhuma boneca sem alma jamais se atreveu a pedir vaga em creche”), pode muito bem ser a autora do espelho municipal da proposta. A vereadora já teria deixado claro: suas meninas são todas “de carne, osso e selo de qualidade dos órgãos de vigilância e prova de residência em nome da mãe biológica. Nada de silicone sentimental.
Se protocolada, a matéria incendiaria os microfones do plenário — e o primeiro a se inscrever no debate seria, óbvio, o Sargento Prates. Fardado em sua indefectível gandola azul, bandeira do Brasil presilhada no peito, Prates já chegaria denunciando: “Isso é o fim! Primeiro foram os supositórios de gênero, agora os reborns! As perucas desses bonecos são mais bem acabadas que o meu topete. Isso é sabotagem estética contra os conservadores!”
O vereador Elias Ishy, sempre disposto a provocar o sargento, lembraria da célebre frase do ex-ministro “collorido” Rogério Magri — “cachorro é ser humano como qualquer outro” — e proporia estender o direito ao colo no SUS às bonecas abandonadas nas prateleiras do capitalismo tardio. Prates, claro, voltaria à tribuna cuspindo ideologia: “Não falei? Isso é coisa de comunista sentimental!”
O sempre meticuloso e didático Franklin, com sua voz de professor em semana de prova, proporia cautela e um exame de DNA antes de se decidir se os reborns são gente, pet ou fábula. Enquanto isso, Karla Gomes sugeriria uma emenda estendendo os benefícios às gatas com depressão e aos cachorros com TOC.
Já o evangélico Marcelo Mourão, vendo ali a brecha para mais um reel de fé e indignação, tomaria a palavra: “Meus irmãos, Nostradamus errou por um triz. O fim está próximo! Bonecos tomando lugar de bebês? Proponho que nos levantemos agora mesmo para uma oração fervorosa!”
Nesse ponto, o plenário já estaria um pandemônio. Caberia então ao vereador Rogério Yuri, secretário da mesa e novo campeão da sobriedade, bater à mesa como um síndico no surto e berrar: “CHEGA! Vamos respeitar o regimento e parar de transformar essa Casa num cenário de série B da Netflix!”
Tudo isso, vale lembrar, inspirado por um projeto que — com toda pompa e paranoia — tenta preservar os serviços públicos da ameaça existencial das bonecas de silicone. “O Estado precisa proteger seus recursos, para que não sejam desviados para objetos inanimados”, justificou o deputado João Henrique, que aparentemente não enxerga a semelhança entre os reborns e certos políticos que há muito perderam a alma.
Se os ventos do delírio legislativo seguirem firmes, em breve teremos sessões especiais para discutir se carrinhos de controle remoto têm direito a IPVA, se manequins de loja podem ser vacinados e se a Constituição Federal se aplica também aos personagens do Playmobil.
Enquanto isso, o povo real — de carne, osso e boletos vencidos — segue à espera de vaga em creche, atendimento na saúde e ônibus que funcione.
Porque, no fim das contas, o que mais assusta não é a boneca pedir atendimento. É o boneco eleito que insiste em legislar como se morasse num desenho animado.